quarta-feira, 29 de agosto de 2012

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Eu tomava aquela dose dupla sem pensar... Queimava enquanto descia pela minha garganta, mas eu não ligava.
- Está tudo bem hoje, amigo? - Disse o gorducho quase careca do outro lado do balcão.
- Sim. Prepara mais um desses pra mim, por favor.
Calado ele sumiu por detrás do balcão por alguns minutos, até voltar com o que eu tinha pedido.
- O que tá acontecendo? É o quinto que você toma em menos de uma hora. Já não acha melhor parar?
- Não. - Respondi seco. Tentei deixar claro que não queria perguntas, da forma mais direta e menos grossa que encontrei.
Dessa vez apreciei a bebida enquanto ela se espalhava pela minha boca. Bebericava num intervalo de um pensamento e outro.
O lugar estava cheio e, por todo lado, eu via pessoas com aqueles sorrisos estúpidos nos lábios, conversando alto, como se fosse a gravação pra uma cena de um seriado americano de adolescentes esnobes. Me larguei mais ainda na banqueta que eu estava e me julguei por, na verdade, estar invejando aqueles sorrisos estúpidos.
- É mais fácil tomar veneno, não acha? - Disse o gorducho de repente.
Levantei os olhos pra ele, ainda como quem diz que não quer conversar. Mas a pergunta era boa.
- Veneno não deve ter um gosto tão bom assim.
- Faz isso pelo sabor, então?
- Claro. Por que seria?
Ele, enxugando as xícaras molhadas da pia, simplesmente deu os ombros e se limitou a dizer:
- Não faço ideia... Mas com essa quantidade de café, eu garanto que você verá o sol nascer. Será uma longa noite, difícil pra dormir, meu jovem...
Me distraí com um guardanapo amassado enquanto sentia que ele me encarava, curioso.
Soltei uma risadinha debochada sem querer, sem olhar pra ele.
- Eu não preciso de café pra não dormir, amigo. E por isso que eu tomo pelo sabor. - Ele não entende nada, sobre nada. - Ver o sol nascer tem sido mais rotineiro do que você secar essas xícaras.
Com um leve levantar de sobrancelhas, ele se calou. Entendeu o recado. Hoje não era dia pra conversas. Era a minha deixa. Larguei o dinheiro no balcão, peguei minhas chaves e engoli o resto do café, já frio.
O sabor, enfim, nem era tão bom assim.
Amargo.
Desagradável.
Assim como tudo que está frio e deveria estar quente.
Entendem o que eu quero dizer, gorduchinhos carecas?