segunda-feira, 11 de junho de 2018

Polaroid



Eu trouxe uma grande bagagem.
Bagagem que não era só sobre histórias a se lembrar. Era companhia - objetos que traziam o cheiro, a risada, o abraço, o jeito de falar, o suspiro, o olhar, a respiração ao dormir, o colo, a mão dada, as broncas, o carinho, o caminhar, o amor e as despedidas de todos que naquele instante passariam a ser saudade por um tempo.
Caixas com cartas, com presentes, com lembranças, com fotos. 148 fotos. Fotos que não eram só bagagem. Eram companhia.
Eu não as visitei por quase seis meses. Temia abrir a caixa e de lá de dentro saltar meu buraco no peito que eu custava tanto a preencher por todo esse tempo.
Mas hoje não sei o que me deu e eu abri... Mas o buraco não voltou pro peito não...
Me deparei com centenas de amores. O pequeno que ria no meu colo. A avó que aproveitava o beijo da neta. O cachorro que lambia a bochecha. O sol que se punha em outro continente pra selar uma amizade de infância.
Dessas fotos, 62 eram Polaroids.
Gosto das fotos instantâneas. Registro com ela momentos que eu sei que são fáceis de escoar da memória, como o brilho no olho que só aparece no segundo exato em que o coração dispara de felicidade. Ali no fundo um macinho preso improvisadamente com um elástico de cabelo, como que quem entra no último segundo, por impulso.
Hesitei. Mas nesse ponto percebi que eu já não tenho mais buraco nenhum. Não tinha mais o que temer.
Tirei o elástico e visitei uma por uma e até me surpreendi com um canto de sorriso nos lábios. Eram bonitas fotos. Porém, diferente das outras, eram só fotos. Eram sorrisos que tatuaram um solo que foi coberto por flores. Hoje eu gosto mais das flores. Mas agradeço o solo que as fez crescer.
Devolvi aquela dezena de rostos de volta à pilha e a prendi com o elástico mais uma vez.
E assim voltaram à caixa as fotos que eram só bagagem. As pessoas que eram só histórias. A companhia que se fez ausência, mas que finalmente, não pesavam mais.


Fins.

terça-feira, 5 de junho de 2018

Pela primeira vez...

Pela primeira vez...
... Decidi por pelo menos 5 itens antes da "ótima remuneração" na minha lista de expectativas em um emprego ideal.
... Peguei minhas 3 graduações e decidi fazer com elas algo maior do que arranjar um emprego.
... Eu tô sozinha depois de passar 10 anos emendando um relacionamento no outro.
... Parei de mexer no celular até pegar no sono.
... Parei de seguir uma religião.
... Comecei a andar de bicicleta sem ter pra onde ir.
... Parei sacar o celular pra fotografar os animais que se aproximam de mim.
... Não penso em casamento e filhos.
... Parei de mentir pra evitar julgamento alheio.
... Reduzi todos os meus bens materiais a uma mala de mão.
... Aprendi que minhas crises de ansiedade começam com a minha insatisfação com o meu presente.
... Passei a não me calar sobre o que eu acho injusto ou errado (inclusive no almoço de domingo).
... Descobri que achar algo errado, não me torna dona da razão.
... Passei a ouvir mais quem tem o que dizer e menos a quem só quer falar.
... Passei a encarar os dias ruins sem fingir que estou bem.
... Parei de atar as pessoas à minha vida.
... Tenho me achado linda de verdade e por inteiro.

Pela primeira vez na vida eu tenho percebido o peso dos olhares indignados de quem tem carro próprio, emprego estável, relacionamento perfeito, graduação impecável, rotina apertada e corpo cansado.
Mas agora os encaro no mesmo nível. Serena e firme. Sem intimidação.

Eles se irritam quando alguém não segue a receita convencional e consegue ser tão feliz quanto eles (senão mais).
Se indignam quando esbarram com alguém com a teimosia e ousadia de dizer "mas eu não quero isso pra mim".
Eles arranjam boatos, apontam dedos e riem debochados, esperam o tropeço de quem sai do trilho e encontra um caminho melhor.
... Cada julgamento carrega a amargura de quem sabe que cedeu a conveniência da vida.

E pela primeira vez na vida eu não abaixo a cabeça.
Pela primeira vez eu não me importo com as prepotências.
Sucesso não deve ter padrão.
Não é mais uma competição.
E pela primeira vez eu carrego um sorriso que é só meu num caminho que só trilham meus iguais. Finalmente sou a responsável pela minha felicidade.

E isso é só o começo.