sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Sómente.

Por fim, entrou em decadência ao não suportar mais o silêncio.
Estava sozinha. Mais sozinha que nunca. Atada e sem forças. Não era mais capaz de seguir adiante sem suas respostas, sem ajuda e sem um ouvinte às suas súplicas. Não havia quem quisesse ouvi-las afinal. O que a sustentava agora era apenas o chão. Nada de corrimão, nada de paredes para apoio e nem mesmo havia as cordas que antes a sentavam como boneca-marionete.
 O chão não impedia nada, não bastava. Chão que não se desdobra nem cria novas superfícies. Não tenta emergir para subir um pouco mais alto. Não. No máximo, se rompe e cria uma fenda no solo. Pra descer ainda mais e vez ou outra, fazer alguém tropeçar e cair ali.
Tremeu, os joelhos cederam. Pela primeira vez baixou a cabeça. Cansada de tentar mudar alguma coisa afrouxou os músculos, parou resistir. Era impossível dar mais um passo. O cansaço tomara conta dela, finalmente.
Não. Era fraca. Sempre soube. E era incapaz de seguir só.
Sempre tivera medo do escuro, mas chegará a hora de fechar olhos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Tiro no pé

Engraçado que o rapaz que é um "defensor da família" e por isso é contra a união de homossexuais, é o mesmo que bate na esposa quando chega em casa.
A guria que vai na igreja e segue o perfil "eu escolhi esperar" nas redes sociais é a mesma que dá em cima do namorado de outra pessoa.
O cara que acha nojento dois gays se beijando é o mesmo que assiste pornô lésbico na internet.
O rapaz que é contra a liberação da maconha porque isso viciaria os jovens, fuma feito condenado e toma um porre todo fim de semana.
O homem que condena o aborto é o mesmo não deu nenhum suporte emocional ou que até mesmo abandonou a mulher quando soube que ela estava grávida.

Agora me explica:
Quem é que tem os valores invertidos nessa história? Quem segue na prática aquilo que defende em teoria?

Por fim, a pessoa que vai ler isso e dizer "nossa, que menina com a moralidade baixa" vai ser a mesma que não entendeu que esse texto não fala sobre Valores Morais e sim sobre Hipocrisia.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O amanhã de hoje

Vez ou outra me pego repontuando músicas, descobrindo ambiguidades, interpretando olhares.
Não há um momento sequer onde eu não esteja resignificando algo que parece óbvio. Ou tentando desvendar pessoas e momentos  indecifráveis.
Olhos que mudam de cor, sorrisos escondidos nos cantos dos lábios. O pôr do sol laranja e rosa, bolhas de sabão e estrelas cadentes. Na minha cabeça tudo soa como verso e poesia. O mendigo do viaduto, o casal apaixonado no parque, o vira lata e a criança.
Pessoas e suas rimas. Olhares e sonetos.
Tudo que pode ser dito sem o uso da palavra.
Enquanto isso, eu só observo. Imagino a história que cada coisa carrega consigo.
Invento e reinvento o futuro, brincando de Deus.
Como é bom saber que existem inúmeras possibilidades. E como é estranho imaginar o poder que as escolhas carregam.
Passo madrugadas inteiras dando liberdade pra minha cabeça pensar o que quiser, é quando eu me perco em histórias alheias e viajo pra vidas que não existem. E é ai que minha mente mostra quem tem o controle de quem. Deitada no escuro, refém das cores da minha imaginação.

domingo, 5 de outubro de 2014

Das palavras que eu imagino ouvir...

Mata-me com as verdades mais ríspidas, grite e diga que vai partir. Arrume suas tralhas, me empurre pra fora do seu caminho. Atravessa-me berrando obscenidades e aponte teu dedo pros seus piores defeitos.
Em seguida, encara-me os olhos e enxerga minha alma.Beija-me os lábios com o calor dos nervos, me arranha as costas diz que eu não presto enquanto o beijo e a lágrimas se confundem num só.
Por fim, fica. Fica porque sabes que preciso de ti. Que sem você aqui eu fico bem pior. E fica porque sabe que te amo. Fica porque minha vida já toma metade da sua própria. Porque não vale a pena que teus  olhos chorem por outro alguém. Fica porque eu faria tudo pra segurar tua mão pra sempre. Porque sabe que eu tento fazer as coisas darem certo. Fica porque a cor dos teus olhos não falam outra língua que não seja a cor dos meus. Porque tua alma não encaixa melhor em nenhuma outra. E fica, principalmente porque você sabe que custe o que custar, nós vamos dar certo um dia.
Escolha ficar a cada pôr do sol, mesmo que tua razão te mande ir embora a cada amanhecer.
 Desfaça as malas, mas não guarde nada de volta nas gavetas. Deixe tudo num canto, pronto pra semana que vem...


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Sobre o Ser-Ator

Eu amo a arte dramática.
Arte dramática, vejam bem. Não estou falando apenas de teatro, de artes cênicas, ou o que seja.
Digo isso porque sou apaixonada por algo que ultrapassa formação acadêmica, hábitos, estudos ou espaços físicos. Ultrapassa o palco, os jogos, os roteiros e diálogos.
Não. Não é só isso.
Eu amo a reação de alguém ao saber que está sendo observado por terceiros. No palco, na rua, no metrô, num sorriso...
Amo a capacidade do ser humano de parar e olhar pra dentro de si. Saber escutar os milhares de "eu's" que gritam - ou silenciam - dentro de nós.

Há quem leva o Teatro como trabalho ou como hobbie. Admiro muito essas pessoas. Admiro a dedicação e o estudo que eles adquirem perante isso. São normalmente inteligentíssimas, com argumentos pra todo tipo de assunto e princípios que desafiam qualquer imposição.
Mas existe uma magia que é viver o teatro.
Esse segundo tipo de pessoas vestem o teatro enquanto andam a caminho de seu trabalho (e vocês ficariam surpresos de saber quantas delas nunca sonharam em subir no palco ou se envolver com artes cênicas), elas rabiscam sentimentos no ar, sentem o cheiro do azul, fecham os olhos pra enxergarem gargalhadas de alguém que vai passando.
Essas pessoas tem a tranquilidade da alma leve - mas nunca simples - que só alguém que está constantemente em atuação pode ter.

Amigo, teatro não é a escolha mais rentável do mercado brasileiro e muito menos a mais fácil. Ninguém escolhe o teatro por causa do salário, do portfólio iminente ou porque é super reconhecido. Aliás, se você escolheu esse caminho por um desses motivos, você provavelmente faz parte primeiro grupo de pessoas que eu citei ali em cima. Mas de qualquer forma, se você escolheu teatro vai ralar pelo reconhecimento do seu trabalho, vai sofrer inúmeros tipos de preconceitos e vai ter que estudar até emendar uma noite na outra sem cochilo nenhum. (Ao menos que você seja o Caio Castro, claro). 
Como recompensa você poderá ser quem você quiser. Poderá se descobrir um pouco mais a cada personagem. Irá sentir sensações que nunca precisou sentir em sua vida normal. Vai rir suas melhores risadas nas coxias com pessoas fantásticas. Vai gritar, discordar e brigar com essas mesmas pessoas. 
Costumo dizer que teatro nunca deveria ser visto como profissão. Ele deveria ser um meio pra se tornar alguém pleno. 

Ator de verdade se permite sentir as emoções de qualquer indivíduo do mundo. Se permite ir de encontro a outro coração e ligar-se ali por tudo o que a pessoa é e principalmente pelo que poderão ser juntas, nem que por um breve encontro de alguns minutos.

Milhares de estudiosos dizem que é essencial saber separar a vida do ator da vida pessoal. Eu, de forma leiga e simples, discordo plenamente. Não se separa uma coisa da outra. Mesmo que isso cause a conhecida sensibilidade extrema, mesmo que haja desequilíbrios emocionais, mesmo que isso te torne alguém inconstante... Mesmo que você tenha que criar escudos pra continuar vivendo num mundo que não te permite sentir isso. Mas não se separa o Ser e o Ator. 
A vida é seu repertório. tudo a sua volta é laboratório e cada segundo pode ser a deixa pra sua entrada ou o desfecho da sua peça. É de extrema importância SER ator e não apenas vestir o titulo quando lhe convêm.  

Termino meu desabafo aqui, com um texto que meu professor me deu essa semana, que tocou profundamente meu "eu-atriz".

 Ator
Plínio Marcos
Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano tornem um homem duro ou cínico o bastante para fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas, sempre haverá no seu coração, por minúsculo que seja, um recanto suave no qual ele guarda ecos dos sons de algum momento de amor que viveu em sua vida.
Bendito seja quem souber dirigir-se a esse homem que se deixou endurecer, de forma a atingi-lo no pequeno núcleo macio de sua sensibilidade, e por aí despertá-lo, tirá-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestruição a que, por desencanto ou medo, se sujeita, e por aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
Os atores têm esse dom. Eles têm o talento de atingir as pessoas nos pontos nos quais não existem defesas. Os atores, eles, e não os diretores e os autores, têm esse dom. Por isso o artista do teatro é o ator. 

O público vai ao teatro por causa dos atores. O autor de teatro é bom na medida em que escreve peças que dão margem a grandes interpretações dos atores. Mas, o ator tem que se conscientizar de que é um cristo da humanidade e que seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva. O ator tem que saber que, para ser um ator de verdade, vai ter que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios. É preciso que o ator tenha muita coragem, muita humildade, e sobretudo um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria personalidade em favor da personalidade de seus personagens, com a única finalidade de fazer a sociedade entender que o ser humano não tem instintos e sensibilidade padronizados, como os hipócritas com seus códigos de ética pretendem.

Eu amo os atores nas suas alucinantes variações de humor, nas suas crises de euforia ou depressão. Amo o ator no desespero de sua insegurança, quando ele, como viajor solitário, sem a bússola da fé ou da ideologia, é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente, procurando no seu mais secreto íntimo afinidades com as distorções de caráter que seu personagem tem. E amo muito mais o ator quando, depois de tantos martírios, surge no palco com segurança, emprestando seu corpo, sua voz, sua alma, sua sensibilidade para expor sem nenhuma reserva toda a fragilidade do ser humano reprimido, violentado. Eu amo o ator que se empresta inteiro para expor para a platéia os aleijões da alma humana, com a única finalidade de que seu público se compreenda, se fortaleça e caminhe no rumo de um mundo melhor, que tem que ser construído pela harmonia e pelo amor. Eu amo os atores que sabem que a única recompensa que podem ter – não é o dinheiro, não são os aplausos - é a esperança de poder rir todos os risos e chorar todos os prantos. Eu amo os atores que sabem que no palco cada palavra e cada gesto são efêmeros e que nada registra nem documenta sua grandeza. Amo os atores e por eles amo o teatro e sei que é por eles que o teatro é eterno e que jamais será superado por qualquer arte que tenha que se valer da técnica mecânica.