domingo, 23 de julho de 2017

Crônicas da madrugada

- Teu olho...
- O que tem?
- Ele fala.
- Ah é?
- É.
- E você escuta?
- Escuto. Mas nem sempre entendo.
- ...
- Ó aí de novo.
- O que?
- Falou.
- Falou o que?
- Não sei. Só ouvi.
- ...
- Do que você tem medo?
- De aranha.
- Eu também. E de lagartixa.
- Eu gosto de lagartixa.
- Eca.
- Um dia eu sonhei que uma lagartixa tocava piano...
- Eu toco piano.
- Tá vendo, você tem mais em comum com lagartixas do que pensa!
- Deus me livre! Só de ver uma eu fujo.
- Eu gosto.
- De fugir?
- Não, de lagartixas e de pianos.
- E por que foge?
- ... Não sei.
- Eu sei.
- Como sabe?
- Seus olhos me contaram.
- Fofoqueiros tagarelas.
- Pois é. Delatam o coração na cara larga.
- Sempre o fazem.
- É por isso nem sempre entendo o que eles dizem.
- Por causa do coração?
- Por causa da confusão.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Ninho

Hoje me dei conta da falta que faz um abraço.
Dos corações colados, dos braços emaranhados, da cabeça recostada.
A falta que faz uma companhia, um amigo, um sorriso.
Me dei conta que há tempos eu não abraço. Um abraço de verdade, sabe? Aquele abraço-imã, apertado, que alivia o peso de mil vidas, abraço-alma, abraço-casa, abraço-asa...
"Por quê?"
Hoje eu acordei sozinha. Casa vazia. Acho que por isso tirei o dia perdida em pensamentos.
Assisti uma série na TV e nela dois personagens quase se abraçaram... Não me leve a mal, mas um quase abraço é pior que abraço nenhum. Entendem o que eu digo? Aliás, todo "quase" é incômodo demais pra mim...
Gosto do que é inteiro, que transborda, que esquenta, que ilumina, que explode, que transforma. Inclusive, abraços.
"Cadê?"


segunda-feira, 3 de julho de 2017

Pensamentos-nuvem

Sempre durmo de janela aberta. Não tenho cortinas. Só o vidro que (não) me separa da visão do céu.
Hoje era uma noite nublada e eu deitei virada pro armário.
Já fazia 2 horas que eu estava cismada em um pensamento.
Já aconteceu com vocês?
Quando cabeça empaca em um devaneio e de lá não sai até o sono tomar conta?
Pois então. Exatamente isso. Engraçado como a mente voa... Mas aí o quarto inteiro se iluminou.
Quando eu viro, lá está a bendita da Lua, se esquivando do mundaréu de nuvens.
"Boa noite pra você também", sorri.
É inevitável: sempre que a Lua aparece aqui, lá vou eu me debruçar no parapeito feito Julieta que tem seu Romeu no céu!
Não tinha nem 3 minutos de conversa e uma nuvezona cobriu a tigela de leite flutuante (sim, hoje a dona bonita tava parecendo isso).
Ventava muito, muito mesmo e as nuvens se agrupavam e se dissipavam, rendendo alguns gatinhos, um submarino, um elefante, um garfo torto e um sapato.
Uns minutos depois Ela voltou. Mas já estava bem mais baixa e amarela. Agora parecia metade de um queijo meia cura no-meio-do-meio do céu.
Em um olhar, contei pra ela sobre meu monólogo mental de duas horas. Ela me encarou de volta por alguns longos infinitos e entre esse brilho de Lua e brilho de olhos, eu já não sabia quem ouvia o brilho de quem. Suspirei.
Mas o céu não já não suspirava mais. O vento agora havia cessado. As nuvens pareciam apenas nuvens.
Não havia mais gatos, nem garfos. No máximo, um tapete sem graça acinzentado.
A Lua sorriu pra mim... Do ladinho, Júpiter deu uma piscadela. Veio aquela assimilação que só acontece depois de uma meia noite enluarada...
O vento brincava de criar. A nuvem brincava de mudar. E quando tudo para, a graça acaba.
Percebe?
O vento também nos sopra a vida. Nos arrasta do inerte, nos desperta do cômodo, nos exige reação imediata e nos transforma em algo além de um tapete cinza empoeirado. Às vezes parece que a luz some em meio às mudanças, mas a dona Lua tá ali, nos guardando do Universo, esperando a melhor parte de nós.
Falando nela, depois de tanto papo agora ela já estava bem baixa, pronta pro boa noite final.
Bem dourada e enorme. Lá no horizonte... Hora do Pôr de Lua.
Ela sabia que eu já tinha sacado e que agora eu poderia dormir sem gastar minhas horas mantendo a mente em lugar nenhum.
A Lua foi indo embora e eu podia jurar que cantava pra mim!
Prendi a última fagulha dourada na minha íris e fechei os olhos com força pra poder visitar os sonhos lunáticos naquela noite.
Fechei o vidro, me enrolei em edredons e ainda de olhar apertado notei o silêncio de uma mente sem pensamentos empacados.
Ri aliviada.
"Durmam bem, até amanhã"

Foto real da Dona Lua aqui da janela do meu quarto 🌙