terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Lençóis

Sinto falta do seu cheiro e só.
Na verdade, nem sou eu quem sente, são meus lençóis.
Eu, particularmente, não sinto nem um pouco sua falta.
Não tenho a mínima saudade de teus atrasos e inseguranças, muito menos de tua incapacidade de decisão.
Não sinto falta dos teus receios, das tuas dúvidas nem daquela cara ansiosa de quando você quer me dizer "não".
Eu nem gosto mesmo do teu jeito, aquela mania de me fazer cócegas até eu perder o fôlego, de me tirar o cobertor durante a noite ou de roubar batatas fritas do meu prato.
Na verdade tanto faz tua falta de foco, aquela em que tu para de me ouvir e fica me olhando, sorrindo pra mim.
Eu nem faço mais planos pra nós dois se quer saber. Não penso mais naquele apê, naquela viagem, no nome do nosso cachorro nem em surpresas pro mês de julho.
Eu já esqueci do seu toque, do teu beijo em meus quadris, do afago nos fios soltos do meu coque.
Não faço mais questão do frio na barriga que me causa quando chega nem do vazio que me aparece quando se despede.
Não me lembro mais daquele sorriso escondido, daquele carinho de bom dia nem do teu colo em noites de frio. Eu já nem sei das ligações que duravam horas, dos beijos na chuva, dos encontros na madrugada.
Eu não sinto falta do seu "eu te amo". Não mesmo. Nenhum deles. Muito menos de quando eles vinham ao pé do ouvido.
Não ligo de não te ver várias vezes na semana, de desviar o percurso pra ficar mais tempo junto, de fugir escondidos dos olhos curiosos.
Não penso mais nos dias em que me achava no teu caderno de versos, em quando escondíamos mensagens no quarto um do outro, em quando a luz do sol poente refletia nos seus olhos.
Já esqueci do som da sua risada de domingo, dos cafés da manhã as três da tarde, do sossego raro dos dias tranquilos.
Eu não sinto mais a sua falta de maneira alguma. Sentir sua falta significaria lidar com sua ausência diária, com a impossibilidade dos dias, com o futuro frágil. Por isso decidi não mais sentir saudades suas. Decidi não mais tremer as pernas a cada beijo seu. Não mais sorrir em plenitude depois daquela silenciosa conversa de olhares. Não permitirei tua entrada em meus sonhos e fica proibido o coração acelerar ao lembrar de nós dois em momentos de paz.
Enquanto isso gostaria de voltar ao assunto e falar da saudade que meus lençóis tem do seu cheiro. Não os culpo. Um dia eu também gostei do seu perfume se transferindo à minha pele. Mas já passou, claro. Saliento que não tenho nada a ver com isso, por mim você poderia ficar onde está. Mas é que meus lençóis estão amarrotados e não sabem bem como voltar as dobras intactas de antes. Não sei o que tu fez, mas eles gostam de você. Por isso eu peço que venha matar a saudade de nós dois. Não por mim, mas claro, pelos meus lençóis.