sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Dia 5

Hoje, enquanto caminhava, eu vi teu reflexo em um vidro de vitrine.
Não era você, claro.
Acontece que as vezes tu pula pra fora da minha cabeça de tanto que eu pensei em nós.

Também te escutei mais tarde, quando entrei na cafeteria e tava tocando aquela música que cê me mandou há um ano atrás.
Quando percebi que você não tava ali de verdade, segui com meu pedido, peguei o meu café e sentei um pouco. Esfreguei os olhos e tentei me concentrar em outra coisa qualquer. Eu podia ter conseguido, mas tocou aquela outra música, aquela da semana passada. Sorri como sinal de desistência e murmurei verso por verso ainda com a bobeira nos lábios. Às vezes as coincidências fazem guerra contra mim.

Ou talvez nem seja coincidência. A verdade é que quando a gente fica vidrado num assunto, tudo vira associação. Por exemplo aquele casal ali no banco da praça. Ela tá deitada no colo dele já faz 25 minutos e ele tá fazendo cafuné. Será que ele também gosta de mexer no cabelo dela tanto quanto ela gosta de ter os fios remexidos pelos dedos dele?
Será que o toque dele também faz com que ela se sinta aconchegada por todas as estrelas do universo?

O tempo passou diferente hoje. E por mais que eu estivesse com a cabeça nas nuvens, meu pensamento tava muito bem ancorado em um porto só.
Isso me rendia o olhar mais distante, pelo motivo mais focado.

Me permiti uma última tortura trivial antes de deitar pra descansar, já tarde da noite. Sentei no jardim pra conversar com a lua.
Nas minhas mãos, um suco de acerola.
Gosto do primeiro beijo.
Gosto de frio na barriga e de sonho.
Gosto do nosso primeiro dia 5.
Gosto de nós dois.
Gosto de rimas refletidas dia após dia.
Gosto de uma saudade tremenda. Hum... Não. Mentira. Disso eu não gosto não.

Passei o dia disfarçando recordações.
Passei o dia fingindo que não tava fugindo.
"Claro que não. Tá tudo certo." - eu repetia toda vez que alguém me flagrava perdida em outro momento, em outra vida, em história. - "É coisa do trabalho".

Hoje é dia 5.
Mais um.
Olha, eu nunca fui muito apegada com data e cê sabe disso.
Acho baboseira dar tanta atenção a um dia do mês, ainda mais quando eu tenho coisas muito mais especiais pra lembrar referente aos outros dias que preencheram todo o restante da folha de calendário.
Nem sequer gosto de número ímpar. Muito menos quando isso significa que eu tô aqui, sem você. 1.
Não sem você. Eu sei. Mas ainda assim, só.

Cinco sentidos.
Todos eles despertados por inteiro quando tô contigo.
(E até mesmo quando você tão tá comigo.)
E foi isso: Todos os cinco avivados num dia 5. Como se tudo isso fizesse algum sentido.

Deitei, crente que a noite fosse levar esse amontoado de pensamentos junto com o son... O que?... Não. São cinco sentidos sim... Não... Foram cinco.
O problema é esse. Ninguém de fora é capaz de enxergar essa história por inteiro.
Eu disse 5 sentidos num dia 5, não foi? Se você não conseguiu encontrar todos enquanto eu contava a história, não é problema meu.
Posso continuar? Obrigada...
... Como eu estava dizendo...
Uma boa noite de sono as vezes é tudo que a gente precisa.
Uma amnésia temporária.
Um descanso do nosso consciente.
Uma liberdade pro nosso pensamento encarcerado.
E foi assim que me rendi a emancipação das minhas quimeras.
Na maior das renúncias, finalmente abdiquei das lembranças por hoje e terminei meu dia ali... No travesseiro que ainda tem seu cheiro.