quinta-feira, 14 de maio de 2015

Era uma vez... Foi.

A coroa jazia no chão. Torta e despedaçada.
Os vestidos, pisados, rasgados e amassados.
O trono vazio.


Como se soubessem o que estava acontecendo, os cavalos faziam silêncio.
Os pássaros se calaram por toda a noite.
Os animais todos emudeceram.


Nos corredores, apenas o mármore gelado.
Nas torres, nenhuma luz acesa.
Os guardas não estavam cobrindo nenhuma entrada.

Tudo parecia abandonado.
Cada aposento parecia ter sido esquecido, um a um...
O Grande Salão ainda tinha o perfume dos convidados.
Na cozinha, os temperos ainda estavam frescos.
No quarto principal, a cama estava feita, esperando o descanso de um corpo cansado que nos últimos tempos, raramente aparecia.


O jardim dava pequenas pistas.
Flores despetaladas.
Um balanço com o assento ainda quente.
E debaixo da amoreira, no banco branco de madeira, notava-se as pequenas gotas salgadas, deixadas ali por alguém com pensamentos demais...

Os vagalumes iluminavam o trajeto feito a pouco tempo por alguém. Provavelmente faziam isso com a esperança de serem úteis apontando o caminho de volta ao reino abandonado.
Os pontinhos luminosos atravessavam os portões de ferro forjado e se alongavam por um extenso gramado baixo que se estendia até os limites do território, alcançando a Costa. A margem era um grande rochedo, uma barreira natural, muralha gigante de encontro ao mar.

Lá no alto via-se uma silhueta.
Era ela.
Estava na beira, completamente despida.
Tinha os cabelos soltos e parecia que a brisa salgada vinha acariciar suas madeixas.
O vento gelado beijava seu corpo, causando nela arrepios involuntários.
E ali... Bem ali... Vêem? De tão íntima do mar, era possível ver as pequeninas gotas de oceano saindo de seus olhos fechados. Elas rolavam por toda a sua face como ondas que apenas vão. Com a força de ondas que levam tudo embora.

Ela abriu os olhos. Encarou o espaço a sua frente. 
A lua cheia envolvia tudo num brilho prateado.
Ali fora havia a vida que faltava dentro dela.
Num desabafo delirante, como quem desperta de repente, murmurou num sorriso discreto e insano:

"É que um sopro, liberta a cabeleira presa. 
Em teu espírito, estranhos sons fez nascer. 
E em teu coração logo ouviste a Natureza 
No queixume da árvore e do anoitecer.
- É que a voz do mar furioso, tumulto impávido,
Rasgou teu seio de menina, humano e doce;"

Ela gargalhou a (des)graça da vida e as estrelas foram testemunhas da entrega de uma moça que estava cansada de acreditar.